
À primeira vista, a pergunta que dá nome ao quadrinho da escritora e quadrinista Alison Bechdel pode soar estranha — afinal, o livro autobiográfico é uma reflexão sobre sua relação com a mãe, biológica de fato e bastante presente em sua rotina. Mas, logo na epígrafe da obra, Bechdel nos dá uma dica do porquê o questionamento não possui nada de anormal, nas palavras de Virginia Woolf: “Pois nada era simplesmente uma coisa”.
O livro, considerado por alguns como um ensaio não-acadêmico, por outros como um livro de memórias, é um passeio, às vezes denso, às vezes aparentemente singelo, pelas incursões da autora sobre o vínculo com essa mãe, uma mulher dura, de humor severo, que foi casada com um homem bissexual, professor universitário e que cometeu suicídio — o primeiro grande livro de sucesso de Bechdel, inclusive, chamado “Fun Home”, conta de sua relação com o pai, e foi o primeiro quadrinho a receber o prêmio de melhor livro do ano pela revista Time, em 2006.
Em “Você é minha mãe?”, é possível visitar desde o momento na infância em que Bechdel percebe que deixa de ser vista como criança, até passagens pelos seus mais de 50 anos — e tudo isso recheado por considerações e especulações de uma pessoa que inicia leituras acerca da obra de Donald W. Winnicott. Sonhos, as relações com terapeutas, insights do próprio processo de amadurecimento e paralelos e encruzilhadas entre Woolf, Sylvia Plath e Winnicott costuram esses recortes da experiência neurótica e vívida de Alison, suas descobertas da sexualidade — aos 19 anos, revelou à família ser lésbica — , decepções (sofridas e causadas) e reflexões sobre gênero, maternidade, família, vida e morte.

Indicação para quem também inicia, ou mesmo já transita entre os escritos de Winnicott e as questões da maternidade, para quem busca um novo olhar sobre o formato de quadrinhos, ou mesmo para quem apenas busca uma leitura comovente e divertida.
“Você é Minha Mãe? — Um Drama em Quadrinhos” pode ser encontrado no site da editora no Brasil, Companhia das Letras.